DELVAINE PUSSININI
GOSTO DAS COISAS BOAS DA VIDA
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
SER NEGRO NO BRASIL
SER NEGRO NO BRASIL
Ultimamente há uma constante discussão sobre o que é ser negro no Brasil. Dada à importância do tema, temos inúmeras formas de dialogar e interpretar o assunto. Diversos níveis de formação entram na onda do debate para compartilhar ideias e conceitos da negritude brasileira que, sem sombra de dúvida desperta o interesse de todos.
O negro teve a oportunidade de ser o que é em toda a parte do mundo. Mas a experiência brasileira é diferente de ser como tal em qualquer parte.
No Brasil a realidade manifestada entre culturas é totalmente avessa sob olhares curvados. As condições podem ser semelhantes, mas as interpretações no Brasil são exclusivas, digna de nossa máxima atenção.
Chegamos ao século XXI, e as instituições pró humanização e consciência, celebram as conquistas adquiridas no contexto sócio cultural e econômico. Vê-se a necessidade de construção social de nação igualitária. As abordagens tratam o tema de maneira fragmentada, no sentido da existência de afrodescendentes, suas condições sociais, físicas, identidade e contribuições históricas para o país. É lei nas escolas estudar a africanidade e as cotas de reservas negras no banquete social se iguala as reservas de terra para com os indígenas. No que pesa a consciência, temos a sensação de dever cumprido e as dívidas históricas com os negros quitadas.
A condição sócio econômico e cultural dos negros, desde o achamento das terras brasileiras até os dias atuais tem sido essencial para a manutenção do bem estar das classes dominantes e pode ser entendida como problema de estudo da humanização que é separada, interpretada e preconceituada, eternizando-se no âmbito do conservadorismo e desigualdade.
O Brasil escravocrata está cristalizado em nossa sociedade, tornando-se a principal referencia conceitual negra. Sua identificação é interpretada como simbolismo para estudos acadêmicos e não como fatos que, interferem nos demais aspectos das relações sociais atuais. A demagogia e os vícios especulativos pairam na áurea da discussão das condições negras.
Comemoramos datas de abolição e consciência relacionando passado e presente sem a clareza do que é ser negro de fato. A ascensão afro é regada a sentimentalismo de oportunidade e inclusão justificando-se por tudo o que foi feito no passado, e não o que esta sendo feito atualmente. Esta elevação social tem mais aspecto de complexo de inferioridade e inconformismo do que propriamente sentimento de igualdade e fraternidade. Percebe-se claramente que o ranço do preconceito e racismo esta impregnado em nossa sociedade.
Não é difícil perceber que quanto mais profundo adentrarmos nos corredores carcerários, mais negra a população fica, dando a impressão que, ser negro no passado era ser escravo, e nos dias atuais é ser criminoso. O mesmo acontece nas produções acadêmicas e tentativas de dissertar a negritude. As bibliotecas estão abarrotadas de produções alicerçadas na corporeidade, identidade e condições sociais. Fatores que nutrem as diferenças e reafirmam o racismo. Só não admitimos tal situação por simples motivo, a doutrina oficial de estado nação não acolhe formas de discriminação. Subtende-se que, se está escrito em nossa carta magna, logo é praticado. Se for lei não descriminar, então não se descrimina, pois é doutrina constitucional não praticar.
O que diria Zumbi dos Palmares se voltasse amanhã e comparasse o que se pratica na doutrina oficial de estado com a doutrina ética de moralidade sentimental do povo? Certamente concluiria que a exclusão sócio cultural e econômica praticada nos dias de hoje é de tamanha barbárie que não se compara ao Brasil escravocrata. Existem dois pesos e duas medidas, de um lado a ascensão regada a heroísmos e exclamação, de outro regada a inquietações. Pelo visto teremos que esperar mais um século para que os negros participem da vida plena nacional, sob condição humana, e um pouco mais para que o aniversário da abolição e o dia da consciência negra tenham o sentido de participação social, de direito e deveres como cidadão brasileiro, e não apenas como marcos histórico, a ser relembrado e comemorado.
Foi do ventre das africanas e nativas que surgiu o primeiro plantéu de brasileiros. Condição moral e ética que ultrapassa os preceitos e preconceitos problematizados nas esferas políticas, científica e de senso comum através do tempo. Ser negro no Brasil não é ser raça, mas vida pulsante, humana.
Buscar a objetividade do termo “ser negro” no âmbito de raça e condição de vida é legitimar olhares padronizados da classe dominante, que esta condicionada a teorizar os verbos ser e estar na forma de tripés denominados corpo, identidade e condição social.
Com tanta miscigenação, é difícil saber quem de fato é negro ou não. A problematizarão ainda bebe em fontes de conhecimentos turvos poluídos. Se o Brasil é tudo o que esta ai, os que estão ai de corpo negro genericamente aculturados e marginalizados social e economicamente pelo sistema de mercado, não são somente negros. São vidas humanas, que respiram e pensam como gente brasileira.
Sendo o negro objeto de estudo, a ambivalência com que as classes cientificas e dominantes reagem é predominante. Esse amor e ódio pode-se constatar nos dizeres de Florestam Fernandes, quando afirma que “feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo”.
Dessa forma a problemática negra agoniza. Regada a emoções de reparar danos, corre sérios riscos de não ser tratadas de maneira sistêmica. A todo instante busca-se tratar as bases de corporeidade, identidade e condição social. O corpo negro se transformam em mascara, e é condição da sociedade ciêntífica colocar esse quesito como objetivação primeira de julgamento. Assim, problematizar o negro no Brasil pode ser o mesmo que, demarcar, identificar, separar e conceituar ou seja, usar o mesmo método dos nossos dicionários.
A o que entende-se de negritude no Brasil é de muitos dissabores. A identidade particular de cada um esta intrínseca na sociedade coletiva negra, mutilada no processo histórico. Os interesses em saber o que é ser negro estão purificados de convicções genéricas dominadoras, e não ficam no simbolismo, incidem nos aspectos sociais. Os corpos negros de cada identidade vivente na sociedade brasileira, tem maior valor que a alma, marcada pelas heranças históricas e aquisições culturais.
A discussão anda em circulo e nossas objetividades de estudos esbarram facilmente em avaliações preconceituosas.
No entanto ainda queremos saber como é ser negro no Brasil, mesmo sabendo que o objeto de estudo são os “corpos negros” e não no sentido da moral humana com visão ética das suas aquisições culturais e intelectuais como individuo brasileiro. Ser negro no Brasil é ser corpo em primeiro lugar, por ventura ser consciente. Mesmo as conquistas sociais e intelectuais de cada negro não suprem a realidade social do seu corpo nem lhe convida a participar do grande banquete da moralidade Brasileira. É a razão pelo qual a discussão do ser negro no Brasil torna-se refém de uma ética enviesada de olhares estrábicos decrescente.
No processo hostórico sempre há um lugar predestinado para o “ser negro”: elo perdido no horizonte. E assim tranquilamente tratamos da problemática sem pesar na consciência. Tanto é que o problema do Brasil sempre foi o corpo negro, seja sendo à base da estratificação social ou sentado nos bancos acadêmicos ao lado de homens “brancos”.
Os poderes do Brasil, juntamente com as academias e população, demonstração fortes interesses em combater as diversas formas de discriminação. Mas se escancara as diferenças sociais e econômicas do corpo branco e negro a mais de quinhentos anos, e para as quais não há lei que proíba. A naturalidade como encaramos tais diferenças pode ser considerada desoladora. Mas raramente é vista dessa maneira. Preferimos culpar o mercado, com sua lei de oferta e procura ou capacidade de competir de igual para igual.
Ser negro no Brasil é ter um corpo negro e participar do apartheid a moda brasileira. A qual se precisa de implacáveis reações como a lei das cotas para universidades se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira para todos os brasileiros.
Há necessidade em primeiro lugar de resintonizar, ou seja, resignificar, o que é ser negro diante da opinião pública e comunidade científica. Para isso conta-se com o papel das academias e muito mais da mídia. Deve-se construir uma bibliografia da negritude voltada à essência contemplativa universal, desinteressada e não conceitual. Fazendo com que o negro seja mais que um corpo, identidade coletiva e condição social. Seja ser humano, pesquisado e tratado como tal.
O sistema sócio identitário brasileiro surge na confluência da lusitanidade, tradição civilizatória européia, temperada pelo sabor das tradições indígenas e africanos. Nasce assim um país com identidade mutante, remarcado e demarcado por variáveis culturais e de identidades que só nesse lugar pode-se desenvolver plenamente.
Os afluentes de tantas matrizes étnicas resultaram no que se pode chamar de Brasil. As multi-identidades étnicas, principalmente dos negros e indígenas, foram ceifadas e dilaceradas pelas classes lusodominantes dando lugar a interpretação genérica de classe e cultura. Apesar das grandes lutas em manter a essência trazidas da terra natal, não resistiram a tantas aberrações e forte política de uniformidade cultural. Os que ainda lutam, nada interferem no processo de homogeinezação culturl, que começa pela língua falante, condições de corpo e condição social.
Delvaine Pussinini
Ultimamente há uma constante discussão sobre o que é ser negro no Brasil. Dada à importância do tema, temos inúmeras formas de dialogar e interpretar o assunto. Diversos níveis de formação entram na onda do debate para compartilhar ideias e conceitos da negritude brasileira que, sem sombra de dúvida desperta o interesse de todos.
O negro teve a oportunidade de ser o que é em toda a parte do mundo. Mas a experiência brasileira é diferente de ser como tal em qualquer parte.
No Brasil a realidade manifestada entre culturas é totalmente avessa sob olhares curvados. As condições podem ser semelhantes, mas as interpretações no Brasil são exclusivas, digna de nossa máxima atenção.
Chegamos ao século XXI, e as instituições pró humanização e consciência, celebram as conquistas adquiridas no contexto sócio cultural e econômico. Vê-se a necessidade de construção social de nação igualitária. As abordagens tratam o tema de maneira fragmentada, no sentido da existência de afrodescendentes, suas condições sociais, físicas, identidade e contribuições históricas para o país. É lei nas escolas estudar a africanidade e as cotas de reservas negras no banquete social se iguala as reservas de terra para com os indígenas. No que pesa a consciência, temos a sensação de dever cumprido e as dívidas históricas com os negros quitadas.
A condição sócio econômico e cultural dos negros, desde o achamento das terras brasileiras até os dias atuais tem sido essencial para a manutenção do bem estar das classes dominantes e pode ser entendida como problema de estudo da humanização que é separada, interpretada e preconceituada, eternizando-se no âmbito do conservadorismo e desigualdade.
O Brasil escravocrata está cristalizado em nossa sociedade, tornando-se a principal referencia conceitual negra. Sua identificação é interpretada como simbolismo para estudos acadêmicos e não como fatos que, interferem nos demais aspectos das relações sociais atuais. A demagogia e os vícios especulativos pairam na áurea da discussão das condições negras.
Comemoramos datas de abolição e consciência relacionando passado e presente sem a clareza do que é ser negro de fato. A ascensão afro é regada a sentimentalismo de oportunidade e inclusão justificando-se por tudo o que foi feito no passado, e não o que esta sendo feito atualmente. Esta elevação social tem mais aspecto de complexo de inferioridade e inconformismo do que propriamente sentimento de igualdade e fraternidade. Percebe-se claramente que o ranço do preconceito e racismo esta impregnado em nossa sociedade.
Não é difícil perceber que quanto mais profundo adentrarmos nos corredores carcerários, mais negra a população fica, dando a impressão que, ser negro no passado era ser escravo, e nos dias atuais é ser criminoso. O mesmo acontece nas produções acadêmicas e tentativas de dissertar a negritude. As bibliotecas estão abarrotadas de produções alicerçadas na corporeidade, identidade e condições sociais. Fatores que nutrem as diferenças e reafirmam o racismo. Só não admitimos tal situação por simples motivo, a doutrina oficial de estado nação não acolhe formas de discriminação. Subtende-se que, se está escrito em nossa carta magna, logo é praticado. Se for lei não descriminar, então não se descrimina, pois é doutrina constitucional não praticar.
O que diria Zumbi dos Palmares se voltasse amanhã e comparasse o que se pratica na doutrina oficial de estado com a doutrina ética de moralidade sentimental do povo? Certamente concluiria que a exclusão sócio cultural e econômica praticada nos dias de hoje é de tamanha barbárie que não se compara ao Brasil escravocrata. Existem dois pesos e duas medidas, de um lado a ascensão regada a heroísmos e exclamação, de outro regada a inquietações. Pelo visto teremos que esperar mais um século para que os negros participem da vida plena nacional, sob condição humana, e um pouco mais para que o aniversário da abolição e o dia da consciência negra tenham o sentido de participação social, de direito e deveres como cidadão brasileiro, e não apenas como marcos histórico, a ser relembrado e comemorado.
Foi do ventre das africanas e nativas que surgiu o primeiro plantéu de brasileiros. Condição moral e ética que ultrapassa os preceitos e preconceitos problematizados nas esferas políticas, científica e de senso comum através do tempo. Ser negro no Brasil não é ser raça, mas vida pulsante, humana.
Buscar a objetividade do termo “ser negro” no âmbito de raça e condição de vida é legitimar olhares padronizados da classe dominante, que esta condicionada a teorizar os verbos ser e estar na forma de tripés denominados corpo, identidade e condição social.
Com tanta miscigenação, é difícil saber quem de fato é negro ou não. A problematizarão ainda bebe em fontes de conhecimentos turvos poluídos. Se o Brasil é tudo o que esta ai, os que estão ai de corpo negro genericamente aculturados e marginalizados social e economicamente pelo sistema de mercado, não são somente negros. São vidas humanas, que respiram e pensam como gente brasileira.
Sendo o negro objeto de estudo, a ambivalência com que as classes cientificas e dominantes reagem é predominante. Esse amor e ódio pode-se constatar nos dizeres de Florestam Fernandes, quando afirma que “feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo”.
Dessa forma a problemática negra agoniza. Regada a emoções de reparar danos, corre sérios riscos de não ser tratadas de maneira sistêmica. A todo instante busca-se tratar as bases de corporeidade, identidade e condição social. O corpo negro se transformam em mascara, e é condição da sociedade ciêntífica colocar esse quesito como objetivação primeira de julgamento. Assim, problematizar o negro no Brasil pode ser o mesmo que, demarcar, identificar, separar e conceituar ou seja, usar o mesmo método dos nossos dicionários.
A o que entende-se de negritude no Brasil é de muitos dissabores. A identidade particular de cada um esta intrínseca na sociedade coletiva negra, mutilada no processo histórico. Os interesses em saber o que é ser negro estão purificados de convicções genéricas dominadoras, e não ficam no simbolismo, incidem nos aspectos sociais. Os corpos negros de cada identidade vivente na sociedade brasileira, tem maior valor que a alma, marcada pelas heranças históricas e aquisições culturais.
A discussão anda em circulo e nossas objetividades de estudos esbarram facilmente em avaliações preconceituosas.
No entanto ainda queremos saber como é ser negro no Brasil, mesmo sabendo que o objeto de estudo são os “corpos negros” e não no sentido da moral humana com visão ética das suas aquisições culturais e intelectuais como individuo brasileiro. Ser negro no Brasil é ser corpo em primeiro lugar, por ventura ser consciente. Mesmo as conquistas sociais e intelectuais de cada negro não suprem a realidade social do seu corpo nem lhe convida a participar do grande banquete da moralidade Brasileira. É a razão pelo qual a discussão do ser negro no Brasil torna-se refém de uma ética enviesada de olhares estrábicos decrescente.
No processo hostórico sempre há um lugar predestinado para o “ser negro”: elo perdido no horizonte. E assim tranquilamente tratamos da problemática sem pesar na consciência. Tanto é que o problema do Brasil sempre foi o corpo negro, seja sendo à base da estratificação social ou sentado nos bancos acadêmicos ao lado de homens “brancos”.
Os poderes do Brasil, juntamente com as academias e população, demonstração fortes interesses em combater as diversas formas de discriminação. Mas se escancara as diferenças sociais e econômicas do corpo branco e negro a mais de quinhentos anos, e para as quais não há lei que proíba. A naturalidade como encaramos tais diferenças pode ser considerada desoladora. Mas raramente é vista dessa maneira. Preferimos culpar o mercado, com sua lei de oferta e procura ou capacidade de competir de igual para igual.
Ser negro no Brasil é ter um corpo negro e participar do apartheid a moda brasileira. A qual se precisa de implacáveis reações como a lei das cotas para universidades se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira para todos os brasileiros.
Há necessidade em primeiro lugar de resintonizar, ou seja, resignificar, o que é ser negro diante da opinião pública e comunidade científica. Para isso conta-se com o papel das academias e muito mais da mídia. Deve-se construir uma bibliografia da negritude voltada à essência contemplativa universal, desinteressada e não conceitual. Fazendo com que o negro seja mais que um corpo, identidade coletiva e condição social. Seja ser humano, pesquisado e tratado como tal.
O sistema sócio identitário brasileiro surge na confluência da lusitanidade, tradição civilizatória européia, temperada pelo sabor das tradições indígenas e africanos. Nasce assim um país com identidade mutante, remarcado e demarcado por variáveis culturais e de identidades que só nesse lugar pode-se desenvolver plenamente.
Os afluentes de tantas matrizes étnicas resultaram no que se pode chamar de Brasil. As multi-identidades étnicas, principalmente dos negros e indígenas, foram ceifadas e dilaceradas pelas classes lusodominantes dando lugar a interpretação genérica de classe e cultura. Apesar das grandes lutas em manter a essência trazidas da terra natal, não resistiram a tantas aberrações e forte política de uniformidade cultural. Os que ainda lutam, nada interferem no processo de homogeinezação culturl, que começa pela língua falante, condições de corpo e condição social.
Delvaine Pussinini
sábado, 26 de março de 2011
PORTA DO COLÉGIO
Affonso Romano de Sant’Anna
Passando pela
porta de um colégio, me veio uma sensação nítida de que aquilo era a porta da
própria vida. Banal, direis. Mas a sensação era tocante. Por isto, parei como
se precisasse ver melhor o que via e previa.
Primeiro há
uma diferença de clima entre aquele bando de adolescentes espalhados pela
calçada, sentados sobre carros, em torno de carrocinhas de doces e
refrigerantes, e aqueles que transitam pela rua. Não é só o uniforme. Não é só
a idade. É toda uma atmosfera, como se estivessem ainda dentro de uma redoma ou
aquário, numa bolha, resguardados do mundo. Talvez não estejam. Vários já
sofreram a pancada da separação dos pais. Aprenderam que a vida é também um
exercício de separação. Um ou outro já transou droga, e com isto deve ter se
sentido (equivocadamente) muito adulto. Mas há uma sensação de pureza angelical
misturada com palpitação sexual, que se exibe nos gestos sedutores dos
adolescentes. Ouvem-se gritos e risos cruzando a rua. Aqui e ali um casal de
colegiais, abraçados, completamente dedicados ao beijo. Beijar em público: um
dos ritos de quem assume o corpo e a idade. Treino para beijar o namorado na
frente dos pais e da vida, como que diz: também tenho desejos, veja como sei
deslizar carícias.
Onde estarão
esses meninos e meninas dentro de dez ou vinte anos?
Aquele ali,
moreno, de cabelos longos corridos, que parece gostar de esportes, vai se
interessar pela informática ou economia; aquela de cabelos loiros e crespos vai
ser dona de butique; aquela morena de cabelos lisos quer ser médica; a
gorduchinha vai acabar casando com uma gerente de multinacional; aqula esguia,
meio bailarina, achará um diplomata. Algumas estudarão Letras, se casarão,
largarão tudo e passarão parte do dia levando filhos à praia e praça e
pegando-os de novo à tardinha no colégio. Sim, aquela quer ser professora de
ginástica. Mas nem todos têm certeza sobre o que serão. Na hora do vestibular
resolvem. Têm tempo. É isso. Têm tempo. Estão na porta da vida e podem brincar.
Aquela menina
morena magrinha, com aparelho nos dentes, ainda vai engordar e ouvir muito
elogio às suas pernas. Aquela de rabo-de-cavalo, dentro de dez anos se
apaixonará por um homem casado. Não saberá exatamente como tudo começou. De
repente, percebeu que o estava esperando no lugar onde passava na praia. E o
dia em que foi com ele ao motel pela primeira vez ficará vivo na memória.
É
desagradável, mas aquele ali dará um desfalque na empresa em que será gerente.
O outro irá fazer doutorado no exterior, se casará com estrangeira, descasará,
deixará lá um filho – remorso constante. Às vezes lhe mandará passagens para
passar o Natal com a família brasileira.
A turma já
perdeu um colega num desastre de carro. É terrível, mas provavelmente um outro
ficará pelas rodovias. Aquele que vai tocar rock vários anos até arranjar um
emprego em repartição pública. O homossexualismo despontará mais tarde naquele
outro, espantosamente, logo nele que é já um don juan. Tão desinibido aquele,
acabará líder comunitário e talvez político. Daqui a dez anos os outros dirão:
ele sempre teve jeito, não lembra aquela mania de reunião e diretório? Aquelas
duas ali se escolherão madrinhas de seus filhos e morarão no mesmo bairro, uma
casada com engenheiro da Petrobrás e outra com um físico nuclear. Um dia, uma
dira à outra no telefone: tenho uma coisa para lhe contar: arranjei um amante.
Aconteceu. Assim, de repente. E o mais curioso é que continuo a gostar do meu
marido.
Se fosse haver
alguma ditadura no futuro, aquele ali seria guerrilheiro. mas esta hipótese
deve ser descartada.
Quem estará
naquele avião acidentado? Quem construirá uma linda mansão e um dia convidará a
todos da turma para uma grande festa rememorativa? Ah, o primeiro aborto! Aquele
ali descobrirá os textos de Clarice Lispector e isto será uma iluminação para
toda a vida. Quantos aparecerão na primeira página do jornal? Qual será o
tranqüilo comerciante e quem representará o país na ONU?
Estou olhando
aquele bando de adolescentes com evidente ternura. Pudesse passava a mão nos
seus cabelos e contava-lhes as últimas estórias da carochinha antes que o lobo
feroz assaltasse na esquina. Pudesse lhes diria daqui: aproveitem enquanto
estão no aquário e na redoma, enquanto estão na porta da vida e do colégio. O
destino também passa por aí. E a gente pode às vezes modificá-lo.
By: Áulus
Silva
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